terça-feira, 3 de novembro de 2009

A batiam


Hoje faz dezenove anos da partida da minha querida batiam (avó em português).
Seu nome original era Kimie, mas foi "rebatizada" por amigos e vizinhos de D. Maria, para "abrasileirar".
Conheci ambas, a materna e a paterna, mas é somente ela quem foi minha avózinha no coração, pois foi dela que recebi amor.
Convivi e praticamente morei na sua casa quando criança, passava longos feriados e quase todos os fins de semana.
Costumava dizer que se ela fosse embora para o Japão eu iria junto, mesmo que tivesse que deixar a minha mãe. Ela sorria e ficava contente.
Frequentemente nós "descíamos" até o comércio para comprar frutas, misturas para o almoço ou qualquer outra coisa necessária.
Ela sempre fazia questão de nos comprar na volta um sorvete ou um doce que escolhíamos. Quando íamos no açougue, ela pedia p/ que o atendente desse uma salsicha para mim, e outra para a minha prima. Era uma delícia!!
Nos contínuos verões que ali passei tínhamos sempre os trocados para o famoso "geladinho", sorvete caseiro de frutas em saquinho, que era vendido na vizinhança....abacaxi, coco queimado, morango....sabor doce que fica guardado....
Houve poucas vezes em que ela se desculpou porque não havia sobrado nenhum centavo para as guloseimas habituais...não nos importávamos porque sempre que podia nos proporcionava esse prazer com grande satisfação.
Ás vezes eu e a Lisa a ajudávamos fazendo alguma tarefa como arrumar o armário azul de panelas. Trocávamos o forro, passavámos álcool no móvel e reorganizávamos as peças.
Ficava tudo brilhando, ela nos cobria de elogios, fica orgulhosa, e nos dava um dinheiro para algum confeito. Naquela época parecia uma fortuna na nossas mãos, e corríamos até o bar para comprar refrigerantes Crush, ou balas que vinham com anelzinho de brinde.
Umas vezes eu dormia com a minha prima, outras vezes na sala. Acho que desde a infãncia tenho tendência á insônia, e me irritava com os roncos dela e do meu avô....eram muito altos e similares ao apito de trem ou motor de avião....rrronnnccc....rrooonnncc.....zzzz.....
Havia também no quarto dela um abajur grande de Cosme e Damião que ficava acesso iluminando o quarto....eu demora séculos para pegar no sono....era meio angustiante dormir junto com eles naquele cômodo principal......Mas hoje sinto saudades até disso....rs
Eu também não era muito fã porque aos domingos ela assistia aos programas de música japonesa, e além de achar horrível, eu não entendia nada, mas aquela era a única tv da casa, não nos restava outra alternativa.
Minha batiam era uma típica velhinha nipônica, baixinha e um pouco cheinha, tinha o cabelo crisalho, em sua maioria branco....ás vezes ela tingia e não dava muito certo, ficava com uma cor meio roxa, estranha.
Ainda não existia botox, mas ela tinha uma pele bonita, esticadinha para a idade, porque tinha o hábito diário de usar o famoso creme Ponds baratinho que até hoje é fabricado, e era a sua única vaidade.
Nasceu aqui no Brasil, mas tinha forte sotaque, como os idosos da Liberdade, não era raro se confundir trocando letras ou pronúncia.
Um dia na farmácia em vez de pedir o analgésico desejado "Doril", pediu "Doriana", depois de entender a confusão o farmacêutico riu muito e ela também, e tornou-se uma espécie de lenda clássica familiar.
Em muitas ocasiões ela cozinhava e eu fazia-lhe companhia, sentada na cadeira perto da porta da cozinha. Não sei onde ela arrumava paciência para ouvir as minhas abobrinhas infantis; eu falava muito rápido e meio "atropelado" e ela pedia...." Fala mais devagar senão a batiam não entende".
Ela foi a minha segunda mãe e uma das pessoas que eu amarei pra sempre.
Lamentamos que tenha partido tão cedo e não tenhamos partilhado mais da sua companhia, mas tenho certeza que foi ela quem acolheu e está ao lado do meu irmão caçula, o Rafael, que nos deixou precocemente, ao dezesseis anos.
E também sei que já conhece antecipadamente a sua 3º bisneta Amanda, e que a está auxiliando e preparando-lhe para o seu nascimento em breve.
Não sou praticante, mas conheci através da sua crença a filosofia Seicho-no-iê, simpatizei, leio artigos á respeito e tento aplicá-las moderadamente na minha vida.
Sinto a sua constante e suave presença que vai além do meu pensamento e do corpo físico.
Impossível nessa época não lhe recordar, principalmente porque minha mãe também está prestes a ser avó, e eu também espero ser um dia.
Quero ter para um filho ou para um neto, ao menos um pouco da imensa magnitude e significado que ela tem para mim.
A minha batiam tornou grande parte da minha infância muito feliz!
Fecho os olhos e a vejo em algum lugar desse imenso universo, em outra dimensão, num jardim repleto das plantas e flores coloridas que tanto gostava.
Ela é permanente no meu coração.
Obrigada!



Nenhum comentário: